(Trabalho apresentado no Psicoinfo/2006 – PUC/SP)
Denise Deschamps e Eduardo J. S. Honorato
“Ao escrevermos, como evitar que escrevamos sobre aquilo que
não sabemos ou que sabemos mal? É necessariamente
neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só
escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta
ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e
que transforma um no outro.”
Gilles Deleuze
Necessário esclarecer antes de tudo,que esse trabalho levantará mais questões do que as que pretende responder, partindo da convicção de que a produção de conhecimento se dá mais no ato de perguntar do que de criar respostas fechadas e inquestionáveis.
Sua apresentação consistirá em uma descrição de algumas tipologias em psicopatologia psicanalítica e uma análise da vivência de algumas dessas dinâmicas nas chamadas comunidades virtuais – mais especificadamente as do site Orkut.
O Orkut caracteriza-se pela proposta em se constituir em um espaço destinado ao desenvolvimento de comunidades virtuais e um encontro de amigos. Sabemos que até certo ponto tem cumprido seu objetivo. O Brasil assimilou o Orkut de uma forma bastante impressionante. Pelos dados do próprio Orkut representamos hoje a grande maioria de seus usuários(por volta de 51,18%[nov/08])).
Vejamos a descrição do Orkut por ele mesmo: “Com o orkut é fácil conhecer pessoas que tenham os mesmos ‘hobbies’ e interesses que você, que estejam procurando um relacionamento afetivo ou contatos profissionais. Você também pode criar comunidades on-line ou participar de várias delas para discutir eventos atuais, reencontrar antigos amigos de faculdade ou até mesmo trocar receitas de biscoitos.”
Observa-se hoje que o Orkut tem uma movimentação e características próprias e que, se aproxima muitas vezes, de uma dinâmica muito próxima do mundo presencial(optamos por nomear dessa forma, já que chamar de mundo real daria ao virtual, por analogia, a característica de irreal, coisa que está longe de ser; ainda poderia ser chamado de “atual” [Lévy]). Nessa dinâmica encontraremos aspectos que incluem os chamados de positivos ou negativos; construtivos ou destrutivos, legais ou ilegais, espontâneos ou provocados.
Sobre o Virtual e os fakes
Dentro do mundo orkutiano o sujeito psíquico poderá encontrar formas absolutamente diversas de inserir-se nele. Mas, vale sublinhar a partir dessa fase desse trabalho, que ele possui características de tela, levando a um mecanismo que se resumiria dessa maneira: Identificação -> Projeção -> Reação
Por esses aspectos talvez possamos pensar a partir do conceito criado por Melanie Klein de “identificação projetiva”.
Em um primeiro momento todos se apresentam com suas características mais idealizadas, procurando comunidades que descrevam aspectos de sua crença, reflexões filosóficas, corrente científica, inserção profissional, etc. Apresentando-se de maneira identificada, a primeira vista, com seus interlocutores. A seguir o fenômeno que acontece, é no mínimo, interessante, realizam-se alguns laços por afinidades e iniciam-se, também, as hostilidades, dessa maneira já operando o mecanismo de projeção, tendo ela características bem regressivas pelo aspecto da fragmentação(ambivalência dissociada). Todos que participam das comunidades do Orkut experimentam o aparecimento desses aspectos da convivência virtual, de maneira mais ou menos intensa, de acordo com seu histórico pessoal.
Observamos o aparecimento repetitivo de algumas dessas dinâmicas psicopatológicas, ao longo de debates, nas comunidades cuja temática giram em torno de temas da psicologia e psicanálise, que na verdade foram as comunidades por nós observadas, não descartamos a hipótese de que as mesmas dinâmicas se reproduzam em outras comunidades. Esse fenômeno está vinculado ao anonimato proporcionado pelos chamados perfis “fakes”, ou como preferimos classificar: “perfis não identificáveis” .
Na comunidade do Orkut intitulada de Wilhelm Reich, seu moderador, experiente terapeuta reichiano, coloca como observação às regras para o seu funcionamento, uma observação muito descritiva dessa dinâmica que relatamos: “Os “fakes” estão presentes em todo o mundo virtual, mas as manifestações de suas presenças devem estar de acordo com as características e objetivos da comunidade. Além do mais, já que estão protegidos pelo anonimato, serão analisados com mais rigor as suas colocações, observações e opiniões exaradas. Serão tolerados… mas correrão sempre o risco de serem expulsos da comunidade. Civilidade e respeito ao próximo são objetivos de pessoas do bem e assumidas em suas identidades.”
Enquanto os outros membros transitam pelas comunidades privilegiando os aspectos mais produtivos de suas identificações/projeções, alguns desses fakes demonstram um distúrbio dissociativo bastante peculiar e interessante. Operam variações entre o mais encantador acolhimento até explosões de ódio e ataque de intensidade bastante impressionante, alguns deles operam ações de agressão própria ao mundo virtual, que muitas vezes irá avançar pelo mundo presencial do sujeito atacado de inúmeras maneiras e quase sempre de forma bem estruturada e direcionada.
Psicopatologia psicanalítica
Vamos então descrever em linhas gerais a psicopatologia freudiana, vamos nos ater a ela pela adequação ao que estamos estudando e essa apresentação se dará de forma bastante resumida.
Sabemos que em psicanálise(freudiana) teremos três estruturas diferenciadas: as neuroses propriamente ditas ou chamadas neuroses de transferência, as psicoses,também chamadas de neuroses narcisícas ou narcisistas e finalmente as perversões que dizem respeito em psicanálise a escolha do objeto sexual e a parcialidade das pulsões, sem ter necessariamente relação com os atos de perversidade. Paralelamente teremos as psicopatias que são descritas por Freud como distúrbio de caráter e não doença mental e que pode ter atrelada a ela outros quadros, quase sempre de psicoses ou perversão com o deslocamento do alvo para os atos de perversidade e manipulação do outro. Teríamos hoje o que está se convencionando chamar de a clínica dos borderlines, onde na verdade se centrará aqui essa exposição.
Vejamos então um breve estudo:
“Perversão: “Diz-se que existe perversão quando o orgasmo é obtido com outros objetos sexuais (pedofilia, bestialidade, etc)…e quando é subordinado de forma imperiosa a certas condições extrínsecas(feitichismo, escoptofilia, exibicionismo, sado-masoquismo), estas podem proporcionar, por si sós, o prazer sexual…
Na mesma ordem de idéias, é corrente falar-se de perversão, ou antes de perversidade, para qualificar o caráter e o comportamento de certos indivíduos que demonstram crueldade ou uma malignidade singulares”.(1)
Psicopatia: Os anti-sociais se escondem em pele de cordeiro, parecem muitas vezes amáveis e solícitos, até que são contrariados ou explodem por algo que lhes acarretou frustração ou não correspondeu às suas deturpadas expectativas. Transtornos anti-sociais (psicopatias e sociopatias) não são considerados “doença mental”, mas sim como propôs Freud, seriam distúrbios de caráter, por conta disso são de difícil identificação e podem ter quadros de doenças mentais acoplados a eles.
Poderemos apenas perceber que constroem uma lógica própria que independe das leis da maioria. Mudam seus discursos de acordo com seus interesses. Não conseguem controlar-se frente a fato de serem confrontados e são capazes de atos cruéis em todos os sentidos(sempre se posicionando como se fossem vítimas da situação por eles mesmos engendrada).
Há que se entender também que traços narcisistas poderão ser encontrados em alguns dos quadros na psicopatologia freudiana e neles operar de maneira diferenciada.
Ama-se segundo o tipo narcisista:
a) O que se é (a própria pessoa);
b) O que se foi;
c) O que se gostaria de ser;
d) A pessoa que foi, uma parte da própria pessoa.
Iremos ainda conceituar brevemente algumas diferenciações ainda sobre as chamadas psicoses(neuroses narcisistas) e as neuroses propriamente ditas (de transferência).
N. Transferência
<!–[if !supportLists]–>· <!–[endif]–>Frustração em relação ao objeto
<!–[if !supportLists]–>· <!–[endif]–> Retração da Carga do objeto real
<!–[if !supportLists]–>· <!–[endif]–>Investimento no objeto fantasiado
<!–[if !supportLists]–>· <!–[endif]–>Retração do objeto recalcado -> Carga em outros objetos
N. Narcisista
<!–[if !supportLists]–>· <!–[endif]–>Cessação de carga
<!–[if !supportLists]–><!–[endif]–>Investimento libidinal no eu
Importante ainda pontuar a linha de desenvolvimento:
Auto-Erotismo – Etapa Anárquica
Narcisismo Primário – Imagem Unificada
Narcisismo Secundário – Investimento próprio Ego.
Psiconeuroses Narcisistas
Ausência de Objeto
Catexia das Palavras
Perversões se caracterizam Por desvios de:
1 – Objeto
2 – Objetivo Sexual
No curso psicossexual normal se encontram rudimentos perversos nas chamadas carícias preliminares e porque não pensar, também, em algumas formas de atuação frente a objetos de investimento.
Interdição como aquilo que sustenta o aparelhamento psíquico..
DUPLA
1º Tempo 2º Tempo 3º Tempo
CÉLULA NARCÍSICA SEPARAÇÃO sujeito psíquico
1º TEMPO – Posição psicótica
2º TEMPO – Posição perversa
3º TEMPO – Posição neurótica
1º TEMPO – mãe fálica e filho narcisista
2º TEMPO – castração simbólica – interdita duplamente a mãe e o filho castração simbólica – função de separação
A interdição é tarefa da função pai cria dois sujeitos desejantes.
A mãe precisa reconhecer fora alguma coisa que precisa e o filho deixar de ser um complemento total. “Já que me falta, agora eu desejo”.
3º TEMPO – situação edípica
<!–[if !supportLists]–>· <!–[endif]–>Identificações
<!–[if !supportLists]–>· <!–[endif]–>Investimento
<!–[if !supportLists]–>· <!–[endif]–>Formação do Superego
<!–[if !supportLists]–>· <!–[endif]–>Constituição do sujeito
Protótipo da lei – interdição do incesto
Os limítrofes e o real
“A grosso-modo pode-se dizer que durante aproximadamente os primeiros 50 anos de psicanálise o neurótico domina a cena psicanalítica e que, de lá para cá, as chamadas síndromes limítrofes têm ocupado um lugar cada vez maior na clínica e no pensamento psicanalítico.”(B)
Vamos então estender mais nosso estudo sobre os limítrofes para fundamentar nossa tese de sua atuação dentro das comunidades do Orkut. Entendendo seu funcionamento e seu modelo de relação com o real poderemos inferir algumas hipóteses para seu funcionamento frente ao manejo virtual.
“Uma classificação bastante didática divide o Transtorno Borderline em 4 grupos clínicos:
Grupo A: Borderline com predomínio de características esquizóides e/ou paranóides, mais próxima das psicoses.
Grupo B: Borderline com predomínio de características distímicas e afetivas.
Grupo C: Borderline com predomínio de características anti-sociais e perversas (corresponderiam ao grupo de Transtorno de Pessoalidade Borderline, propriamente dito, satisfazendo quase todos os critérios do DSM IV).
Grupo D: Borderline com predomínio de características neuróticas (obsessivo-compulsivas, histéricas e fobicas graves).
Esta classificação tem objetivo mais didático que prático, porquanto na prática cotidiana observamos com maior freqüência a ocorrência de casos mistos.”(A)
Citando Winnicott: “Os psicanalistas experientes concordariam em que há uma gradação da normalidade não somente no sentido da neurose, mas também da psicose” (em C)
Completaríamos essa afirmação aqui nesse caso, dizendo que essa gradação se dará em todos os sentidos e referente a todas as estruturas e suas inter-relações.
“Grinker,R.R., fala de quatro níveis de borderline:
Grupo 1- O borderline psicótico – comportamento inapropriado e não adaptado. Deficiente senso de identidade e de realidade. Comportamento negativo e raivoso em relação às pessoas. Depressão.
Grupo 2- O borderline nuclear – Envolvimento flutuante com outros. Expressões abertas e atuadas de raiva. Depressão. Ausência de indicações de um self consistente.
Grupo 3 – Personalidades ‘como se’ – comportamento adaptado e apropriado. Relações complementares. Pouca espontaneidade e afeto em resposta a situações. Defesas: afastamento e intelectualização.
Grupo 4- O borderline neurótico – Depressão anaclítica (semelhante à da infância). Ansiedade. Semelhança com caráter narcisista neurótico. “Influenciado por essa sistematização agrupei esse conjunto humano em borderline pesado (patológico), borderline falso-self e borderline brando (próximo da normalidade)”[Nahman]. Estaremo trabalhando muito próximo dessa classificação de A. Nahman.
Fato é que como muito bem sublinha esse autor acima citado., “O borderline pesado é polissintomático, ambulatório, com dificuldades nas relações pessoais por sua fragmentação ou por suas necessidades narcísicas exacerbadas, com tendência à atuação, com problemas na área afetiva, com questões nas áreas das identificações e identidade, necessitando de uma circunvizinhança humana para atuar os seus fantasmas, com labilidade de humor, com tendência à exagerada dependência afetiva muitas vezes reativamente negada, usando excessivamente a identificação projetiva e introjetiva, com extrema sensibilidade e susceptibilidade, incomumente e seletivamente permeável ao próprio inconsciente, ao inconsciente do outro e à subjetividade circulante.”(B)
O Orkut como depositário da patologia
E como isso tem aparecido nas comunidades virtuais? Levantamos a hipótese que elas têm sido local privilegiado na atualidade para seus “actings”. Para elaborarmos essa hipótese observamos presencialmente por onze meses a atuação de o que chamamos uma “legião de fakes” atuando nas comunidades de Psicologia/Psicanálise de maneira evidente e cruel. Atende às suas necessidades de vínculo permanente, pois podem estar em atuação 24 horas por dia. Isso porque em suas “relações interpessoais: não suportam a solidão e o abandono, necessitam do outro em tempo integral, a todo o momento, são francamente dependentes, masoquistas e manipuladores.”( Gunderson) É nesse aspecto que são atraídos pelas comunidades virtuais, onde a questão do corte temporal inexiste (não há a necessidade do outro estar presente [on] para que se possa estabelecer a “comunicação”), dessa forma tomam conta de determinadas comunidades, impondo um diálogo peculiar, onde passam de extrema cooperação à crises de fúria incontrolável, atacando com violência o membro da comunidade que questiona sua delirante posição de privilégios. Constrói, dessa maneira, no virtual, diferentes aspectos de seu ser, fragmentando-os em parte, criando uma nova classificação que poderíamos, na falta de outro termo ainda consistente, chamar de “múltiplas personalidades virtuais”. Aquilo que não podemos encontrar enquanto realidade em casos descritos de psicopatologia em estudo, vamos perceber atuando com constância nas comunidades virtuais que compõem o Orkut.
Na teia de perversidade impune que lança mão esse sujeito psíquico frente ao virtual , lança sua própria história fragmentada projetando em seus inúmeros personagens, de uma forma infantilmente maniqueísta, seus lados “bondosos” ou “maldosos”, dando existência no virtual ao seu insano diálogo interno, sem dar-se conta, quase em nenhum momento, que ao ocultar-se, na verdade, mais se fará revelar.
Nesse caso em específico, por esse trabalho abordado, descrevemos um tipo de limítrofe com traços de perversão, não no sentido de busca de objeto, mas sim do objetivo, já que esse perderia as características próprias a sexualidade e adquiriria busca de prazer bem longe da genitalização e bem próxima do campo de atuação da patologia(acting out). Encontrando no virtual, ambiente propício para uma atuação longe do alcance da lei, por esse mesmo motivo, seria um campo provilegiado onde inconscientemente estaria operando a NEGAÇÃO (enquanto defesa) da existência da lei(enquanto interditora e formadora do sujeito psíquico). Somente nesse aspecto encontraremos traços de perversão, no restante acreditamos estar lidando com fortes tendências anti-sociais, o que aproximaria ainda mais a tese dos limítrofes na atuação desses fakes.
Vamos então estender mais nosso estudo sobre os limítrofes para fundamentar nossa tese de sua atuação dentro das comunidades do Orkut. Entendendo seu funcionamento e seu modelo de relação com o real poderemos inferir algumas hipóteses para seu funcionamento frente ao manejo virtual.
“A tendência anti-social faz parte da família da psicopatia. Ela começa na infância e pode ou não se estender à idade adulta quando ganha outros contornos e outros nomes.”(C)
Ressalta Nahmann também que: “Uma pessoa da linhagem neuróide se frustrada recalcará o seu desejo infantil de onipotência e acederá a uma potência fixando objetivos distantes e de realização gradativa. Na linhagem psicóide o desejo de onipotência não é recalcado, mas dissociado. O que ocupa o lugar da onipotência não é a potência neuróide, mas a impotência psicóide. O borderline ferido em seu narcisismo sente-se impotente e dissocia sua onipotência. Esta, porém, vai reaparecer logo adiante, sendo então este o momento em que a impotência é colocada numa gaveta, não influindo no impulso de onipotência.”(C)
E como poderemos pensar sua atuação dentro de um ambiente virtual, com características bem próprias:
1- anonimato (sem possibilidade de identificação);
2- possibilidade de projetar no “fake” características que não necessitam comprovação;
3- completa apropriação do discurso do outro como seu;
4- possibilidade permanente de atuar sua dissociação(mais de um perfil: bom X mau);
5- estruturação das idéias deliróides em relatos onde o real não faz o corte;
6- inexistência do corte temporal.
Faremos nesse momento uma impotante ressalva, que tratará de questões referentes a faixa etária envolvida no comportamento virtual/net.
Percebemos que os adolescentes fazem uso permanente dessas características dentro do virtual, de alguma maneira, encontram nesse espaço, o local “seguro” para depositarem suas características de atuação que acontecem dentro de uma normalidade no período da adolescência.
Diz Arminda Aberastury: “O Adolescente se apresenta como vários personagens e, às vezes, frente aos próprios pais, porém com mais freqüência frente a diferentes pessoas do mundo externo, que nos poderiam dar dele versões totalmente contraditórias sobre sua maturidade, sua bondade, sua capacidade, sua afetividade, seu comportamento e, inclusive, num mesmo dia, sobre seu aspecto físico”
Essa imensa mobilidade característica da adolescência apresenta-se no virtual. Sabemos que o fato dessas características persistirem em um ser adulto nomeará o aparecimento de outros quadros, perdendo a qualidade de rebeldia e questionamento próprias da adolescência. “Nesse momento se produz um aumento da intelectualização para superar a incapacidade de ação(que é correspondente ao período de onipotência do pensamento na criança pequena). O adolescente procura a solução teórica de todos os problemas transcendentes e daqueles com os quais se enfrentará a curto prazo: o amor, a liberdade, o matrimônio, a paternidade,a educação, a filosofia, a religião. Mas aqui, podemos e devemos traçar-nos a interrogação: é assim só por uma necessidade do adolescente ou também é resultante de um mundo que lhe proíbe a ação e obriga-o a refugiar-se na fantasia e na intelectualização?” Há hoje um enorme impedimento à ação advindo do medo do mundo real violento e ameaçador, pais procuram impedir maiores movimentações físicas e filhos amedrontados se refugiam projetando suas fantasias de realização no virtual. Nada contra, fenômeno passível de estudo na atualidade e não será dele que pretendemos falar. Ele nos serve apenas como ponte para evidenciar que assim como no real, esse comportamento onipotente no virtual vindo de um adolescente tem uma característica e advindo de um ser adulto poderá estar evidenciando um manejo psicopatológico evidente.
Vamos então circunscrever nosso objeto então para não nos perdermos em classificações múltiplas que acabarão por confundir o entendimento sobre o fenômeno que relatamos no presente trabalho.
Estivemos descrevendo aqui um sujeito adulto (idade cronológica), mas com um manejo das relações virtuais que apresenta fortes traços juvenis, com suas características de dissociação e projeção, caracterizando um quadro limítrofe com comportamentos virtuais anti-sociais e perversos no sentido mesmo da realização do prazer pela ação de enganar, manipular, dissociar que faz através da construção de vários perfis não identificáveis a si mesmo(fakes).
Na classificação proposta pelo psicanalista Nahmann Armony diríamos que seria o bordeline pesado(patológico).
Outras variações em psicopatologia presentes no Orkut
Nesse mundo do anonimato outros tipos de acting, que não somente o borderline perverso, também atuariam de maneiras diferenciadas. Nesse trabalho só pudemos pesquisar um dos tipos. Vale ressaltar que estes relatados aqui, não compõem a totalidade dos fakes. Existem também, os apelidados no mundo virtual de “fakes do bem”, que representam apenas pessoas que, por qualquer motivo, não querem ser identificadas e preferem atuar nessas comunidades compondo um personagem onde algumas de suas características são projetadas, mas percebemos nesses perfis a manutenção de uma ética e coerência com suas estruturas emocionais.
Dentro de outras variações encontraremos grande quantidade de expressão do patológico dentro do mundo do Orkut. Vão desde a combatida propagação da idéia central da pedofilia (perversão propriamente dita), até os ataques mágicos de algo próximo a uma projeção paranóica, passando ainda por melancólicos e expositivos pedidos de ajuda, ou ainda ataques contra-fóbicos aos representante do objeto temido (ex.:homofobia).
Resta-nos talvez pesquisar se, no caso desse anonimato, não seriam atraídos com maior intensidade os traços narcisistas que estão presentes em todos nós, os neuróticos. Se assim ficar evidenciado, teríamos então em mãos um fenômeno de massa a ser detalhadamente descrito. Mas isso consistiria necessariamente em outra etapa dessa pesquisa. Não temos ainda nesse momento elementos que nos permitam afirmar uma coisa ou outra no caso do anonimato fake e sua patologização de maneira generalizada
Propomos então, a partir desse estudo, que sejam criados conceitos que procurem classificar e descrever os vários fenômenos presentes na virtualidade e ainda em estágio de formação. O desenvolvimento desse teatro onde autor e personagem se confundem em uma teia psicopatológica.
“Os perfis do Orkut, até mesmo por sua natureza virtual são muito susceptíveis a se tornarem continente de partes excindidas do self, e esse fenômeno ocorre não apenas nos chamados nos perfis ‘fakes’, mas em todos os perfis. A partir dessa projeção, vão se repetir e reproduzir via transferência, todas as situações objetais psicóticas e neuróticas (ou perversas) de seus usuários. A intensidade dessas projeções pode ser um indicativo do grau de psicose nesse indivíduo: quanto maior o uso de mecanismos projetivos, maior a parte psicótica da realidade, pois menor é capacidade de integração do ego.”(E)
“Estar presente como espectador interessado num espetáculo ou peça, representa para os adultos o que o brinquedo representa para as crianças, cujas esperanças hesitantes de poderem fazer o que os adultos fazem são, dessa forma, satisfeitas. O espectador é uma pessoa cuja participação é muito pequena, que sente ser um ‘pobre miserável a quem nada de importância pode acontecer’, que de há muito tem sido obrigado a sufocar, ou antes, a deslocar sua ambição de ter sua própria pessoa no centro dos assuntos mundiais; ele anseia por sentir, agir e dispor as coisas de acordo com seus desejos – em suma, por ser um herói…o espectador sabe, muito bem que uma verdadeira conduta heróica como essa seria impossível para ele sem dores, sofrimentos e temores agudos, que quase anulariam o prazer”(Freud)(3b)
Finalização: “O PAI (resoluto, avançando)
Fico maravilhado da incredulidade dos senhores! Não estão habituados, porventura, a ver pularem vivos, aqui em cima, uma diante das outras, as personagens que foram criadas por um autor? Talvez porque não há ali (indica a caixa do ponto) UM TEXTO QUE NOS CONTENHA?…(*)
A ENTEADA (indo ao Diretor sorridente e provocante)
Creia, senhor, que somos verdadeiramente, seis personagens interessantíssimas! Se bem que desperdiçadas!…
O PAI (afastando-se)
Sim, desperdiçadas, isso mesmo! (Ao Diretor, subitamente) No sentido de que o autor que nos criou vivos não quis, depois, ou não pode, materialmente, meter-nos no mundo da arte. E foi um verdadeiro crime, senhor, porque quem tem a sorte de nascer personagem viva, pode rir até da morte. Não morre mais! Morrerá o homem, o escritor, instrumento da criação; a criatura não morre jamais! E para viver eternamente, nem mesmo precisa possuir dotes extraordinários ou realizar prodígios...”(do livro: Seis personagens à procura de uma autor – Luigi Pirandello)
(*) grifo nosso
Considerações críticas
Submetido a tese do presente trabalho para crítica de alguns psicanalistas, recebeu contribuições bastante interessantes e algumas sugestões.
Destacaremos os comentários a nós enviados pelo psicanalista Alexandre Escaples, por nos trazer uma abordagem mais kleiniana e por ser um usuário freqüente do Orkut. Ele produziu um interessante texto de supervisão desse trabalho que fizemos constar da bibliografia.
Segue parte dessa crítica: “Um ‘fake’ é uma ‘entidade virtual’, um continente (Bion) de uma projeção de uma parte da realidade psíquica, uma parte do ego do usuário do Orkut.” Mas poderíamos ir além e dizer que TODO perfil do Orkut é em certa medida a mesma coisa. A intensidade e a relação do usuário com essa parte excindida creio que seja um objeto interessante de estudo.”
Os perfis ‘fakes’ não apenas são o continente de uma parte excindida do self do usuário, mas eles também atuam a partir desses perfis. E qual seria o objetivo dessas atuações? Minha proposta é que partes não integradas do self atuam a partir desses perfis, provocando nos demais usuários respostas emocionais específicas. Em outras palavras, estamos diante de uma transferência (Freud, 1914): busca-se uma solução para os conflitos do ego, através de relações objetais, nesse caso mais virtuais, e portanto menos suscetíveis a frustrações. Esse mecanismo para mim tem algumas funções básicas:
<!–[if !supportLists]–>a) <!–[endif]–>trabalhar essas partes psicóticas, integrando-as em na virtualidade orkutiana, menos susceptível a frustrações, na esperança da busca de novas possibilidades de integração ao ego;
<!–[if !supportLists]–>b) <!–[endif]–>projeção de um conflito neurótico, onde a parte excindida, nesse caso é o próprio conflito, que se repete nas relações objetais que se estabelecem no Orkut, de acordo com cada resposta que o ego neurótico pode dar ao conflito: neurótico obsessivo ou histérico.
Essas duas hipóteses básicas não são excludentes. A diferença básica aqui é qual parte do ego é excindida: no primeiro caso se trata de uma parte não integrada, na segunda, uma parte mais integrada, ainda que conflituosa.
Sinceramente não sei se todos os usuários ‘fakes’ podem ser considerados sob a égide de uma estrutura psicopatológica, como a perversão, mesmo os ‘fakes’ do mal. Poderíamos estar diante da ambivalência de um neurótico obsessivo que excinde mais sua parte agressiva, uma vez que pode não consegue integrá-la ou controla-la pelo seu ego.
Uma pergunta interessante: Pode o Orkut, com suas características de comunidade virtual, suprir as necessidade de integração de um ego? Um dos fatores fundamentais na esperança da projeção é que a mãe devolva amor ao seu filho e com isso ele possa se integrar. Citando Empédocles: o amor uni e o ódio separa. Pode o Orkut ser um holding para essa situação? Em minha opinião sim e não. Pode, pois todas as relações humanas podem, mas em um grau muito diminuto, pois o amor, fator integrativo, é algo real, e não virtual. “(E)
Bibliografia:
1.Vocabulário da Psicanálise – J.L. Laplanche e J.B. Pontalis
2Teoria Psicanalítica das neuroses – Otto Fenichel
3Obras Completas Sigmund Freud:
Artigos:
a)Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade – vol VII;
b)Tipos psicopáticos no palco – vol VII;
c)O Caso Schreber e Artigos sobre a técnica – vol XII;
d)Sobre o narcisismo: uma introdução – vol XIV; e
)Luto e Melancolia – vol. XIV;
f)Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico – vol. XIV.
g) FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar. Volume XII (1914).
4 “CLASSIFICAÇÃO: EXISTE UMA CONTRIBUIÇÃO PSICANALÍTICA À CLASSIFICAÇÃO PSIQUIÁTRICA?”
In “O ambiente e os processos de maturação”.- Winnicot, D.W. – 5Adolescência Normal – A. Aberastury e M. Knobel
Sites:
A- http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=150&sec=91
B- http://www.saude.inf.br/nahman/borderlineidentificacao.pdf#search=%22Nahman%20Armony%22
C- http://www.saude.inf.br/nahman/tendenciaantisocial.pdf#search=%22Nahman%2Bborderline%2Bcultura%22
D-http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/peter/clausuradofora.pdf#search=%22dissocia%C3%A7%C3%A3o%20esquiz%C3%B3ide%2Bfragmenta%C3%A7%C3%A3o%2Bpsican%C3%A1lise%2Bvirtualidade%22
E- Texto Alexandre Escaples
– Literatura:
Seis personagens à procura de um autor – Luigi Pirandello
Filmes Indicados: (clique nas imagens para ler as sinopses)
http://www.cinematerapia.psc.br/perversoorkut.html
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