Santidade e política; por D. Demétrio Valentini

D. Demétrio Valentini

O dia 9 de julho, para os paulistas, é especial. É feriado estadual, para comemorar os feitos patrióticos, nos idos de 1932, quando o Estado de São Paulo liderou o movimento que urgia a consolidação da democracia no país, pela aprovação de uma adequada Constituição. Foi a chamada “revolução constitucionalista”.
Mas 09 de julho é também o dia da Santa Paulina, a “Madre Paulina”, recentemente canonizada pela Igreja.
Aparentemente, não haveria nenhuma razão para a simultaneidade dessas duas celebrações. Coincidência ou não, o fato é que a convergência destas duas datas num mesmo dia, acaba compondo uma afinidade importante de valores, que colocados juntos se realçam mutuamente.
Bom seria se a política fosse vivida com motivações religiosas, e levada à prática guiada pelos valores perenes do Evangelho. E bom seria que a busca da santidade encontrasse o caminho da política como expressão prática de sua realização.
A política está necessitada, com urgência, do testemunho de pessoas de fé, que a abraçem com as motivações nobres que ela pode suscitar. O Papa Paulo VI intuiu a política como a “forma mais perfeita de praticar a caridade”.
Como seria fecunda a descoberta de ações estratégicas, urdidas pela verdadeira política, na arte de identificar as urgências do bem comum, e garantir sua realização sabendo canalizar os recursos públicos existentes para estas finalidades.
Com certeza não seria fácil percorrer este caminho, que costuma ser conspurcado por manobras escusas de corrupção, que inverte as finalidades, e dilapida os recursos públicos, pulverizando-os no atendimento de interesses particulares ou de finalidade menores.
Por isto, o bom político precisa buscar força espiritual, que o sustente nos seus propósitos de honestidade e competência na execução de sua missão de trabalhar pelo bem comum, dando destinação conveniente aos recursos públicos arrecadados pelo Estado.
Esta força espiritual deve ser procurada e encontrada no mútuo apoio de pessoas que partilham do mesmo ideal. Haveria uma boa pastoral a ser feita, de reunir políticos, não para formar com eles uma “bancada” corporativista, que se perverte na busca de interesses menores e proselitistas, mas ao contrário, para encontrar solidariedade e firmeza na prioridade absoluta a ser dada a causas que necessitam da lucidez e da coragem de pessoas comprometidas com o bem comum, e que assumem, sem constrangimento e sem temor, a missão de dedicar sua vida à prática da verdadeira política.
A Madre Paulina, que recordamos junto com o feriado do Estado de São Paulo, viveu longos anos neste Estado, seja na sua capital ou no seu interior. Com seu testemunho de autenticidade, mesmo passando por sérias dificuldades, ela em muito contribuiu para consolidar uma Congregação Religiosa que continua levando em frente diversas atividades filantrópicas.
Este fato reforça o vínculo entre vida comunitária e atividade política, que deveria existir muito mais. A participação na comunidade deveria ser um treinamento para a atividade política, começando pela participação nos diversos “conselhos paritários”, e prosseguindo com a atuação partidária, ou por outras formas de compromisso político.
A coincidência de datas, entre a festa de uma santa e a celebração de um feriado estadual, ajude a perceber o relacionamento fecundo que pode haver entre fé e política.

Parodiando São Tiago, de que “a fé sem as obras é morta”, podemos dizer que a vida comunitária sem incidência política é morta, e que a política sem motivação cristã perde seu horizonte e frustra suas finalidades.

Mudanças climáticas e democráticas. D. Demétrio Valentini

D. Demétrio Valentini

Existe um consenso difuso sobre a existência, e a gravidade, de mudanças climáticas em andamento em nosso planeta. Mas está difícil de dimensioná-las com precisão, e de identificar suas verdadeiras causas. Ao lado de certezas evidentes, devemos reconhecer que existe um amplo campo de averiguações a serem efetivadas.
De modo semelhante, no campo da política. Existe um amplo consenso de que assim já não dá mais. Há um consenso genérico da urgência de mudanças a efetivar na política. Mas está difícil de identificar as propostas concretas, e definir sua formulação.
Desta vez, intuímos que os próprios instrumentos tradicionais do sistema democrático, com o esquema de partidos, eleições, delegação de poderes ao legislativo, executivo e judiciário, tudo isto está bastante desgastado, numa espécie de esclerose dos instrumentos da democracia.
O sintoma mais evidente deste esgotamento da democracia se escancara no fenômeno de manifestações populares que vão se tornando cada vez mais freqüentes. As verificadas recentemente nos países árabes, de início pareciam se reduzir à irrupção de descontentamentos sufocados por velhos regimes ditatoriais. Mas sua persistência e seu alastramento para outros países, como se verificou recentemente em Barcelona, mostram que não são meramente episódicas. A intensidade dos protestos e a insistência em expressar um difuso descontentamento, apontam para a necessidade de mudanças mais profundas em todo sistema democrático.
Parece que a praça volta ser palco das decisões políticas.
Olhando a realidade brasileira, não é difícil identificar um leque de mudanças, que as instâncias tradicionais não estão conseguindo dar conta de maneira adequada. Precisamos realizar a reforma política, a reforma tributária, a reforma previdenciária, e precisamos aprimorar o código florestal, aprovado pela Câmara Federal e submetido agora à apreciação do Senado.
A tramitação do Código Florestal serve de amostra da crise de confiabilidade que afeta nosso sistema democrático. Como está difícil de levar adiante um debate sereno e sem radicalizações, em torno de um assunto de evidente interesse de todos. Sobre este assunto precisaríamos chegar a uma clareza muito maior das implicações dos itens que foram votados, identificar onde estão os pontos nevrálgicos de um código florestal que seja adequado à grande diversidade de situações existentes no Brasil, em especial a floresta amazônica com sua necessária peculiaridade, que não pode servir de padrão para os outros biomas existentes no país. Precisaríamos chegar a consensos sobre o que o Senado deveria modificar, e que pontos eventualmente precisariam ser levados a um referendo popular.
No que se refere à reforma política, talvez seria o caso de identificar por onde começar um processo, que possa ir desencadeando depois outras mudanças. Este núcleo inicial precisaria ser bem identificado, para o caso de se partir para uma iniciativa popular de lei, para que as primeiras mudanças tenham consistência e inspirem credibilidade para todo o processo.
Para desencadear uma reforma tributária, seria necessário identificar mudanças que ao mesmo tempo incentivem a produção, equalizem os compromissos sociais, e se tornem instrumento para uma justa e eficaz distribuição de renda.

Em todo o caso, está na hora de sentir a convocação para entramos em campo, para oxigenar a democracia, e superar a esclerose dos seus instrumentos tradicionais.

Texto de Dom Demétrio


Eu costumo fugir da idolatria. Mas tenho alguns conhecidos e amigos que acabam com todo meu esforço. Um deles é Dom Demétrio (foto), o bispo mais equilibrado e progressista que conheço. Sou seu fã de carteirinha. Carteirinha não, que parece coisa de clube ou partido. Reproduzo o artigo que ele escreveu sobre a última assembléia da CNBB.

Rudá Ricci.

SIMBOLISMO DE APARECIDA
D. Demétrio Valentini
Reunidos em assembléia, os bispos do Brasil não hesitaram em confiar a presidência da CNBB ao Cardeal Arcebispo de Aparecida, D. Raymundo Damasceno Assis. Ele sucede assim a D. Geraldo Lyrio Rocha, que podendo ser reeleito, fez questão de esclarecer que não aceitaria outro mandato. A eleição tranqüila de D. Damasceno pode ser explicada por diversas razões. Uma delas, sem dúvida, sua longa experiência pessoal no exercício de incumbências em organismos eclesiais. Por quatro anos foi Secretário Geral do CELAM, o conselho episcopal latino americano, cuja sede está em Bogotá. Durante seu mandato, aconteceu a Conferência de Santo Domingo, evento complexo no qual ele precisou repartir a secretaria com outro bispo nomeado por Roma. Em seguida, voltando ao Brasil, D. Damasceno foi eleito Secretário Geral da CNBB, cargo para o qual foi reeleito. Nomeado arcebispo de Aparecida, se defrontou com a pesada responsabilidade de acolher os representantes da Igreja de toda a América Latina, que vinham
realizar sua Quinta Conferência Geral. Terminada aquela Conferência, o CELAM o elegeu presidente, dando-lhe um mandato de quatro anos, que está terminando justo nesses dias em que se realiza a Assembléia da CNBB, deixando-o, portanto, desimpedido para aceitar agora outro mandato, desta vez como Presidente da CNBB. Mesmo com todas estas coincidências favoráveis que acompanharam o episcopado de D. Damasceno, a razão principal de sua eleição para Presidente da CNBB é de outra ordem, bem mais profunda. Sua eleição vem se somar à carga de simbolismos, que Aparecida vem aglutinando com o correr do tempo, e que recebeu o selo definitivo com a decisão da CNBB de realizar suas assembléias anuais em Aparecida, junto ao Santuário Nacional dedicado à Padroeira do Brasil. Na sua primeira assembléia em Aparecida, os bispos se deram conta do alcance desta decisão, que confirma de vez a cidade de Aparecida como o principal centro de referência da Igreja Católica no Brasil. Daqui para a frente, cada vez mais, Aparecida se consolidará como a capital da fé católica em nosso país. Aparecida preside a expressão brasileira da fé cristã. Por isto, os bispos reunidos em Aparecida elegeram para presidir o organismo que os congrega, a CNBB, o Arcebispo de Aparecida. Apesar dos muitos predicados de sua experiência, D. Damasceno foi eleito presidente da CNBB porque ele é o Arcebispo de Aparecida. A partir desta constatação, é possível integrar melhor os outros motivos, que se somaram para confirmar esta decisão. O primeiro deles, a elaboração das novas diretrizes, de tal modo que integrassem as orientações da Conferência de Aparecida na ação pastoral da Igreja no Brasil. Portanto, de novo reconhecer Aparecida como uma referência decisiva. Na verdade, quatro anos atrás, os bispos de outros países ficaram muito surpreendidos com a grande afluência de peregrinos que vinham ao Santuário, dando um comovente testemunho de fé. A partir deste evento, Aparecida se tornou referência para todos os países de nosso continente. Mas os bispos ficaram ainda mais surpresos com a história da devoção popular, ligada à imagem pobre, pequena, negra, cheia de mensagens que a sabedoria do povo sabe intuir e levar como inspiração de sua vida. Aparecida é uma espécie de sacramento da religiosidade popular do povo latino americano. A eleição do Arcebispo de Aparecida como Presidente da CNBB se constituiu no último ato da proclamação de Aparecida como capital espiritual de nossa pátria, como símbolo de uma religiosidade que não tem nada de alienante. Ao contrário, que nos induz a vivenciar a mensagem libertadora da história de Aparecida, tão impregnada de Evangelho. Brasília é a capital do país. Mas Aparecida é a capital da Igreja Católica do nosso país.