Olívio Dutra debate – Diálogo Petista

Foto Olivio

Todos conhecem Olívio, fundador do PT, ex-presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, depois prefeito, governador e ministro de Lula. Em novembro, Olívio apresentou esta contribuição à Coordenação do Diálogo Petista que, em seu 4º Encontro Nacional, em dezembro, decidiu realizar debates com ele. Texto lúcido e corajoso em alguns aspectos, sem dúvida será problematizado e desenvolvido no debate. Sua publicação é uma forma de honrar o 32º aniversário do Partido dos Trabalhadores.

“O PT não pode se acomodar”

Um balanço do PT, como partido de esquerda, socialista e democrático, tem de vê-lo como parte da luta histórica do povo brasileiro, em especial dos trabalhadores, na busca de ferramentas capazes não só de mexer, mas de alterar a estrutura de poder do Estado e sociedade brasileiros marcada por privilégios baseados no enorme poder político, econômico, cultural de uma minoria. O PT nasceu para lutar por uma sociedade sem explorados e sem exploradores e radicalmente democrática.

Mas na medida em que conquistou mandatos em vários níveis, suas convicções e perspectivas foram perdendo nitidez. Houve uma acomodação na ocupação das máquinas institucionais.

Diante desse processo o PT não se rediscutiu, não discutiu os efeitos dessa adaptação à institucionalidade de um Estado e de uma sociedade que, para serem democráticos, precisam ser radicalmente transformados.

Assim, o PT cresce quantitativamente – em 2011 temos três vezes mais diretórios, passamos de mil a 3 mil, em função de eleições e do fato de estar no governo federal e em governos estaduais, municipais, além de ter eleito centenas de parlamentares nos três níveis.

E, bem mais que as idéias ou programa, o que mobiliza o partido, ultimamente, são as eleições internas e externas. Somos todos responsáveis por isso: a política como um “toma lá, dá cá”, confundindo-se com negócios, esperteza, e a idéia de tirar proveito pessoal dos cargos conquistados. E tem gente chegando no partido para isso, favorecidos pelo discurso da governabilidade mínima com o máximo de pragmatismo.

“O Estado brasileiro não foi mexido”

Mesmo com os dois mandatos de Lula, demarcatórios na história de nosso país, o Estado brasileiro não foi mexido na sua essência. O 1º mandato foi de grande pragmatismo, onde a habilidade de Lula suplantou o protagonismo do Partido e garantiu, para um governo de composição, uma direção, ainda que com limites, transformadora da política. A política de partilhar espaços do Estado com aliados políticos de primeira e última hora de certa forma já vinha de experiências de governos municipais e estaduais mas ali atingiu a sua quintessência. No 2º mandato, ao invés de o PT recuperar o protagonismo, diluiu-se mais um pouco, disputando miríades de cargos em todos os escalões da máquina pública.

Quanto à Dilma, ela é um quadro político da esquerda. Seu ingresso no PT, honroso para nós, não foi uma decisão fácil para ela, militante socialista do PDT e sua fundadora.

Em 1979, quando Brizola voltava do exílio, nós, os bancários de Porto Alegre, estávamos em greve. Caiu a repressão com intervenção no sindicato e prisão de lideranças. Brizola permaneceu em São Borja no aguardo de que, com a prisão, a greve acabasse. A categoria tinha a expectativa que ele, pelo menos, desse uma declaração contra a repressão ao movi- mento. Não se manifestou.

Quando do governo da Frente Popular (PT, PDT, PSB, PC, PC do B) no RS, em decorrência de o PT e PDT terem candidaturas opostas à Prefeitura de Porto Alegre (nosso candidato, eleito, foi o Tarso Genro), Brizola, como presidente nacional do PDT, fez pressão para que trocássemos os secretários pedetistas ligados ao “trabalhismo social”: Dilma, Sereno, Pedro Ruas e Zuanazzi, caso contrário o PDT deixaria o governo. Não concordamos. Todos eles travaram uma discussão intensa nas instâncias do PDT e deliberaram desfiliarem-se e, após nova discussão, desta vez nas instâncias do PT, filiarem-se ao nosso partido.

“Para mexer, tem que ser debaixo para cima!”

Dilma tem clareza sobre como funciona o Estado e como deveria funcionar, sob controle público, para ser justo, desenvolvido e democrático mas, a composição do governo é um limitador e ela não vai poder alterar as estruturas arcaicas e injustas do Estado, coisa que o próprio Lula, com toda sua historia vinculada às lutas sociais das últimas décadas, não conseguiu fazer. Para mexer nisso, tem que ser debaixo para cima!

Então aí está o papel do partido que não pode se acomodar. Nós, os petistas, nos vangloriamos de feitos em prefeituras, governos estaduais e federal. Mas, criamos mais consciência no povo para que se assuma como sujeito e não objeto da política?

Nas eleições fala-se em “obras” e não se discute a estrutura do Estado, como e quem exerce o poder, os impostos regressivos para os ricos e progressivos para os pobres, as isenções, os favores tributários, a enorme renúncia fiscal. Tem prefeitura do PT que privatiza a água, aceitando o jogo do capital privado e a redução do papel do estado.

O PT não se esgotou no seu projeto estratégico, mas corre o risco de se tornar mais um partido no jogo de cena em que as elites decidem o quinhão dos de baixo preservando os privilégios dos de cima. Nosso partido tem de desbloquear a discussão de questões estruturais do estado da disputa imediata por cargos. Essa discussão deve ser feita não apenas internamente, mas com o povo.

Realizar Seminários onde se discuta até mesmo o papel e o estatuto das correntes internas. Seminários com os lutadores sociais para discutir como um partido com nossa origem e compromisso pode governar transformadoramente sem se apequenar no pragmatismo político.

A lógica predominante, diante das eleições, é de governarmos mais cidades, mas qual a cidade que queremos? A imposta pela indústria automobilística, desde os tempos de JK, com ferrovias privatizadas e sucateadas e o rodoviarismo exigindo que o espaço urbano se esgarce e se desumanize para dar espaço para o automóvel particular?

“Muitas experiências de governo, nenhuma definitiva”

O PT deve refletir sobre suas experiências de governar as cidades. São muitas e nenhuma definitiva. O Orçamento Participativo não foi radicalizado ao ponto de ser apropriado pela cidadania como ferramenta sua para controle não só de receitas e despesas, verbas para obras e serviços, no curto prazo, mas sobre a renda da cidade, sua geração e o papel do governo na sua emulação e correta distribuição social, cultural, econômica. O Orçamento Participativo tem que ser pensado não como uma justificativa para a distribuição compartilhada de poucos recursos mas como gerador de cidadania capaz de, num processo de radicalidade democrática crescente, encontrar formas de erradicar o contraste miséria/riqueza de nossas cidades.

Como presidente de honra do PT-RS tenho cumprido agenda partidária, visitando cidades, participando de atos de filiações, ouvindo as lideranças de base e discutindo o PT. Sinto-me provocado positivamente com esta tarefa.

Mas na estrutura que existe hoje o Partido é cada vez mais dependente, inclusive financeiramente, dos cargos executivos e mandatos legislativos que vem conquistando. É difícil, pois, uma guinada, sem que haja pressão debaixo para cima sobre as direções, correntes, cargos e mandatos. Assim como está o PT vai crescer “inchando”, acomodando interesses. A inquietação na base quanto à isso ainda é pequena mas é sinalizadora de que a luta para que o PT seja um partido da transformação e não da acomodação vale a pena.


Esta Página é publicada sob responsabilidade do Fórum de Diálogo Petista, constituído por 83 militantes de 13 Estados reunidos num Encontro Nacional em 15 de novembro de 2008 na sede nacional do PT: “Queremos um governo petista que faça o que um governo petista deve fazer para nos livrar da política imperialista. Nesta hora em que uma grave crise se precipita, nós decidimos nos manter agrupados. Constituímos um meio de ligação entre nós e componentes das Mesas do encontro, um Fórum de Diálogo Petista. Agrupamo-nos para desenvolver a luta com as organizações construídas pelos trabalhadores: – Sim, é hora de mudar de política para proteger a nação e os trabalhadores!”

contato:  dialogo.petista@uol.com.br

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